segunda-feira, 25 de maio de 2009

UMA QUESTÃO DE ESPAÇO

Andando pelas ruas do centro da capital paulista onde resido, convivo diariamente com uma grande quantidade de moradores de rua. Seus modos de vida me desperta a curiosidade e a imaginação e um detalhe em especial me chama a atenção: o costume que alguns têm de reservar para si pequenos espaços nas calçadas. Com uma simples caixa de papelão ou um pedaço de cordão, entre outras formas, delimitam precariamente o local onde vão pernoitar ou passar algumas horas. Vejo quase que diariamente uma senhora já idosa que“construiu” com caixas de papelão de eletrodomésticos, um espaço de mais ou menos 1 m quadrado que utiliza para guardar seus pertences e passar os dias (e certamente as noites) solitária observando os transeuntes, os carros e, talvez, refletindo sobre sua existência. E onde quer que vá, ela carrega consigo seu “espaço”.

A atitude desses moradores de rua, antes de ser uma estratégia de auto-preservação, é também uma forma de comunicação não verbal. Uma forma de expressar através de atitudes o que não conseguiriam através de palavras. Ter a existência exposta publicamente todos os dias, torna-os personagens públicos de um espetáculo improvisado que se desenrola pelas calçadas e ruas, em nichos sombrios, bem abaixo de nossos pés, tendo entulhos fétidos como cenário e ratos como coadjuvantes. Uma sobrevivência assim maltrata, machuca, endurece e divide em pedaços qualquer ser com um mínimo de sensibilidade.

E chega um momento que, para prosseguir, é preciso recolher-se (do verbo recolher, juntar, reunir) por um momento, dialogar consigo próprio. E é nesse momento que imagino iniciar-se o ritual que os levará ao encontro de si próprios. Escolher um espaço apropriado, delimitar esse espaço e aquietar-se. Ao se recolherem, ainda que precariamente no espaço que determinaram como “seu” estão, na verdade, procurando preservar-se, a si e ao seu universo particular com seus conteúdos mais pessoais e íntimos.

É nesses momentos que acessamos os caminhos mais tortuosos e sombrios de nós mesmos e caminhamos em direção aquele eu que, escondidinho nas profundezas de nós mesmos, se manifesta clamando por atenção e afeto.

A senhora que mencionei nos diz através de sua atitude e de seu gesto que não quer mais fazer parte desse espetáculo surrealista. O seu eu não quer mais despedaçar-se pelas calçadas. Quer preservar no “seu espaço” o pouco que restou de si e assim segue, protegida por sua frágil fortaleza de papelão, perdida na imensidão solitária e desumana de 1m quadrado.


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